Paragem do autocarro. Um daqueles fins de tarde invernais, em que ainda é cedo mas o relógio biológico só quer ir para casa dormir, de tão escuro que está. Encosto-me a um poste, porque já mal me aguento nas pernas, ponho o mp3 no máximo (mas ainda - espero eu - abaixo dos 100 decibeis) e tento não me sentir mais uma escrava dos transportes públicos que nunca vêm a horas, como aquela senhora ali que tem que ir buscar a filha à cresce ou aquela que tem que ir fazer o jantar porque o marido deve estar a chegar a casa.
Há este homem estranho, que parece uma criança gigante, que fala com toda a gente sobre qualquer coisa que não me interessa ouvir, e roda um saco de plástico na mão. Vejo que me está a gritar qualquer coisa, ignoro-o.
Velho doido.
Ele insiste, faz-me sinal para tirar os phones; quando o faço já apanho o discurso a meio - qualquer coisa sobre arquitectos, engenheiros, trabalho na câmara, tapo buracos, dou aulas a presos, são simpáticos, sou muito inteligente, as mulheres adoram-me, hoje almocei as quatro da tarde, tenho muitos estudos e não dou graxa a ninguém, as pessoas é que são umas invejosas, não me estou a meter consigo, tenho idade para ser seu pai, mas adoro a juventude, as mulheres são lindas quando são jovens.
Ele faz-me perguntas mas não repara que não respondo e assim já nem me dou ao trabalho. Observo-o. Tem um inchaço estranho na sobrancelha, e uns 30 dentes a menos. Grita-me que não está bêbedo, mas não se aguenta no passeio e ri-se da minha cara.
Oh homem, vê lá se te calas para voltar à minha música que me estava a fazer tão bem.
O autocarro chega. O meu. É o dele tambem. Parece que as outras mulheres vão ter que esperar mais um pouco. Enfio-me no último lugar, ele fica ao pé da porta, para meu alívio. Volto à minha música. your legs are smooth as they graze mine, we're doing fine, we're doing nothing at all.
Às tantas, damn, ele grita-me outra vez.
e o bebé, já nasceu?
momento 1: Ele está mesmo a falar comigo? mas se não há cá mais ninguém...
momento 2: Será que estou mais gorda? e rio-me por dentro destes ataques súbitos de síndroma-feminino que me dizem que afinal ainda tenho alguma coisa em comum com as minhas amigas.
momento 3: Será que ele é um daqueles velhos malucos que conseguem ver o futuro?! e rio-me ainda mais. Não há tantos velhos desses por aí, mas isso já é outra história.
E ele continua a olhar para mim e a embalar um bebé invisível, a dar-lhe de mamar (wtf? talvez seja uma velha doida, afinal) e a estender-mo nos braços. Assustador.
Pergunta-me onde é que vou sair, faço de conta que não ouvi. Quando chega a minha paragem, ele prepara-se para sair também, volto a sentar-me. Diz-me adeus adeus adeus com um sorriso maroto. Pergunto-me onde deixou o bebé.
Saio na paragem seguinte, o que me custa um caminho enorme até casa, mas pelo menos não tenho que ir a ouvi-lo. E sabe-se lá, cão que ladra não morde mas pode muito bem querer saber onde moro e deixar-me um bebé qualquer à porta.
6 comentários:
hahaha
E eu que ainda tenho pachorra para responder a essas pessoas?...
Ai, a gente é uma coisa gira.
no artigo do dn nao vi la nada dos 100 decibeis..
oh também nem deves ter lido, mandas-me a mim fazer o trabalho todo... lol mas se fores ver está lá algures.
ah ok. acredito em ti.. ate quando me dizes que um soutien demasiado apertado pode, por exemplo, representar uma excessiva "compressão da caixa torácica e, consequentemente, alterar a dinâmica respiratória" ou causar lesões nos nervos intercostais.
Eu não digo nada disso, apenas transmito... omg, como era aquela do "peito que abana depois de parar de andar"?! xD
nao me lembro.. quando a disseste desconcentrei-me todo
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