quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

ad memoriam

Paro de escrever e olho em volta. Vejo as costas dele numa cadeira lá ao fundo e penso - ele é uma memória. Não sei porquê, se me perguntares não sou capaz de o explicar, mas sinto-o uma memória. Quando olho para ele tenho a sensação de que já viveu, de que pertence ao passado, faz parte de uma fotografia cheia de pessoas que já não existem.
Tu e eu estamos aqui, vivemos todos os dias, queimamos os dedos e cortamos a pele, tropeçamos nos degraus, engasgamo-nos com a sopa ao almoço e deixamos cair o tabuleiro no refeitório cheio de gente, maldizemos o despertador de manhã, gritamos a alguém que vai a virar a esquina que espere por nós, damos as mãos, os lábios, o corpo, caímos e levantamo-nos logo de seguida.
Ele não.
Ele é uma memória. Ele existe por aí nos corredores, está em todo o lado mas ao mesmo tempo não o podes ver. Sentes que ele sorri, mas só por dentro, porque olhas para ele e não tem expressão alguma. Ouves a voz dele mas no segundo em que levantas a cabeça, a boca dele não se mexe. Não percebo. E mesmo assim, existe. Continua aí todos os dias, a viver nos corredores, a ver-nos a todos chegar e partir.
Pergunto-me quando é que também tu deixarás de ser uma presença a caminhar ao meu lado no corredor, para seres uma memória daquelas que o habitam e que não posso atingir.

Sem comentários: